segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Alípio de Sousa Filho e a revista Bagoas


 Por Tatiana Souza de Oliveira Farias

Alípio de Sousa Filho, professor da UFRN, formado em ciências sociais, com doutorado em sociologia pela Sorbonne e pós doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é o criador da revista Bagoas, publicação semestral do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), com foco na publicação de artigos resultantes de estudos teóricos e pesquisas empíricas sobre gênero, sexualidade e homossexualidade, destacando espaço para os estudos gays, reflexões sobre o erotismo, lesbianismo, transgêneros, conjugalidades e parentalidades homossexuais.
Bagoas: Eunuco Persa, dançarino, que pertenceu à corte de Dario III e, posteriormente, de Alexandre Magno. Viveu no séc. IV e é descrito como dono de uma beleza incomparável. Exímio dançarino, andrógino, foi um dos cortesãos e amantes preferidos de Alexandre, O Grande.
Perguntado sobre como surgiu a idéia da Bagoas, o professor Alípio de Sousa Filho conta que estuda o tema da homossexualidade há algum tempo, que sempre fez parte de seus interesses de estudo e pesquisa. Disse ainda que a ideia de criar uma revista para a publicação de artigos e ensaios sobre as temáticas de gênero, sexualidade, homossexualidade etc. veio da constatação da ausência de um periódico acadêmico com este perfil nas nossas universidades. No segundo semestre de 2007, durante uma viagem de férias, enquanto dirigia seu carro por estradas da Bahia, em direção a Salvador, a ideia da revista (seu nome, formato etc.) foi aos poucos surgindo e inspirando-o. “Pensei uma revista acadêmica, mas sem se dobrar  ao cientificismo que predomina em certas revistas universitárias. Pensei uma revista de vocação militante, crítica, engajada no debate epistemológico e político-público. De volta a Natal, apresentei a proposta ao Diretor do CCHLA, o professor Márcio Valença, que aprovou a ideia imediatamente. A revista tem hoje o perfil que pensei para ela e que foi também compartilhado com os colegas que compõem a comissão editorial e o conselho consultivo. Ao ser criada, a Bagoas foi exaltada como a primeira revista acadêmica de estudos gays da América Latina e em países de língua portuguesa”, explica Alípio.
A Bagoas tem repercussão não só nacional, mas também internacional. É hoje uma revista consolidada no campo dos chamados estudos de gênero e sexualidade. Desde seu primeiro número, em 2007, a revista já publicou artigos e ensaios de pesquisadores do Brasil, Chile, Peru, Portugal, França, Espanha, Itália, Estados Unidos. Autores ligados às universidades nesses países ou com atuações intelectuais públicas a partir de suas atuações em instituições de pesquisa ou de lutas sociais. A distribuição através da venda nas principais livrarias do país e da cidade de Natal, assim como a distribuição gratuita através da remessa a bibliotecas públicas e universitárias, a Ongs, a órgãos de pesquisa, entre outras, tem permitido um amplo acesso da revista e sua circulação. A revista Bagoas, desde sua criação, é também publicada em formato eletrônico no site próprio da revista que é o www.cchla.ufrn.br/bagoas. Alípio fala ainda que já alcançou seus objetivos com a revista, não apenas em termos de circulação, mas igualmente quanto ao papel pretendido com a Bagoas desde sua criação: “fazer circular reflexões críticas sobre as questões ligadas à diversidade sexual, gênero, práticas de discriminação e preconceito quando se trata das diferenças e dissidências em termos de práticas erótico-sexuais em nossa sociedade relativamente ao que esta mesma sociedade mantém como sua presumida normalidade”.
O professor afirma que continuará trabalhando para que a Bagoas se afirme, cada vez mais, como espaço para essas reflexões. “Atualmente, a revista já está muito bem qualificada pelo Qualis CAPES, um sistema de avaliação dos periódicos acadêmicos, e somente tende a crescer nessa avaliação”.





sábado, 17 de dezembro de 2011

A hora que a notícia vira arte: perfil do trabalho de um chargista




Por João Victor Pereira Leal


 Um homem de fios grisalhos de voz mansa, porém firme,  são essas as primeiras impressãoes que tenho do chargista Ivan Cabral, quando chego a sala da Televisão Universitária (TVU) onde  trabalha como animador.  Apesar de trabalhar na mesma universidade onde estudo nunca tive a oportunidade de me aproximar tanto de Ivan para matar minha curiosidade sobre o trabalho, do qual sou um daqueles entusiastas anônimos. Suas charges são publicadas diariamente na primeira página do Novo Jornal, o único períodico do estado que faz isso. Ao  dar significado para os traços que Ivan desenha vemos a forte presença de um humor simples, mas não simplório. As piadas de suas charges são de fácil entendimento, mas nem por isso deixam de ter forte crítica social e política.

   Quando começamos  a conversar, Ivan lembrou que amor pelo desenho começou quando criança, e foi do jeito criança de aprender a gostar de desenhos: fazendo rabiscos em todos os cantos possíveis, nem as paredes da casa escapavam. 

Perto dos 20 anos ele começou a buscar maiores referências para seu trabalho, com o contato com um grupo de artistas amadaores da cidade, que na época editava um fanzine. Aprendeu novas técnicas e passou a fazer quadrinhos. Mas a  oportunidade para fazer charges só veio mesmo em 1983, com a saida para licença médica de um chargista do Diário de Natal, ali era  primeira vitrine para o seu trabalho. Foi assim, tirando as férias  dos colegas que também passou pela Tribuna do Norte, em 1987. No ano seguinte, 1988, o Diário de Natal precisava de um novo chargista, Ivan, já conhecido na redação, ficou com o emprego, sua primeira grande oportunidade profissional.

   Nesse meio tempo ele já era servidor da UFRN, mas até 1996 seu trabalho com charges e animações ficou restrito aos jornais em que trabalhou. Contudo ao ser transferido para a TVU, a seu trabalho foi elevado a outro nível, agora seus desenhos ganharam movimento.Ivan passou a desenvolver animações usando recursos de computação gráfica, algo novo, mas que não intimidou  o chargista, que logo dominou a técnica. Agora tinha o lápis e o papel na mão, a ideia na cabeça e um computador pela frente como suas ferramentas de trabalho. Atualmente podemos ver esse trabalho de animação nos intervalos da programação da TVU.

   Com a entrada da computação gráfica  passou a explorar os benefícios que a tecnologia poderia dar as suas charges,  fazendo pintura digital e desenhos direto no computador. Porém, as cores de seu trabalho ficavam restritas a internet, pois por conta do projeto gráfico do jornal em que trabalhava, os desenhos eram sempre publicadas em preto e barnco. A cor mesmo só veio com sua mudança para o Novo Jornal, em um projeto audacioso para o jornalismo potiguar, a charge agora era publicada em cores e na primeira página do jornal.

Na linha de produção, onde as notícias viram desenhos, Ivan relata ter bastante liberdade criativa, mas lembra que  a charge compõe o corpo editorial da publicação, assim  algumas vezes são sugestionados temas para serem tratados nos desenhos, segundo ele isso depende muito do que vai ser manchete no dia seguinte. “Chargista não é especialista”  diz, afirma que muitas vezes produziu seu trabalho ao lado do repórter, que vivenciou o fato e  traz uma visão mais especializada e realista dos acontecimentos.

   Rápido na execução, diz que leva de 20 minutos à  meia hora para produzir um bom desenho, “o mais difícil mesmo é ter a ideia”. Não deve ser mesmo fácil fazer algo inteligente, engraçado e que gere reflexão todos os dias, 365 dias por ano. Outro fator que chama  atenção  no trabalho de Ivan é  a forte presença da crítica política. Algo notável em uma mídia local dominada por oligarquias sem muito senso de humor. 

  Ivan diz que não pisa em ovos na hora de produzir seus desenhos,  pois não usa do espaço que tem para ataques pessoais e sim para dar visibilidade e reflexionar sobre problemas da má administração pública. Não nega que já ouve vezes que seu trabalho foi vetado, a explicação para isso era o respeito a linha editorial, sempre ela. Na nossa conversa o chargista faz questão de deixar claro que nunca recebeu influências para ser o que classificou de “pistoleiro do humor”, alguém que recebe “encomendas”  usando a charge como ferramenta política para favorecer interesses de terceiros.
  
     Polêmicas estão inerentes ao humor. Para quem trabalha com um humor altamente crítico então nem se fala. Ivan cabral não ficou imune as polêmicas. Em determinada época a administração  do Aeroporto Augusto Severo usou frangos para afastar urubus da região da pista e evitar possíveis acidentes. A manchete do dia seguinte era “Urubus são alimentados com frangos”e  na charge publicada sobre o assunto Ivan tentou mostrar a dureza da exclusão social. No seu desenho uma fila de urubus esperava para receber os frangos e no meio da fila um menino negro, pobre e de pés descalços também esperava sua vez. Foi o bastante para acusarem o chargista de racismo, com críticas ferozes que diziam que o desenho era uma cristalização do preconceito. Ivan ressalta que foi mal-interpretado e que a intenção do desenho era justamente denunciar a exclusão social e não o contrário.

    Com a internet o trabalho de Ivan rompeu as fronteiras do estado e alcançou novos públicos,o seu blog ( http://www.ivancabral.com/ ) está servindo também de vitrine para o seu trabalho, assim já recebeu pedidos  de charges para livros didáticos e já teve trabalhos publicados em jornais de fora do país . Assim, depois de quase uma hora de conversa, me dispeço de Ivan, mas não por muito tempo. Logo encontro ele de novo, agora na forma de tinta e desenho, na charge publicada diariamente na primeira página do jornal. Boas risadas sempre marcam esses encontros.
Chargista Ivan Cabral (Foto: Acervo Pessoal)

As charges políticas são marcas do trabalho de Ivan (Foto: Acervo Pessoal)

“Para viver de cinema é preciso dar a cara a tapa!"



Por Mayara Silva

Cabeção! É assim que Buca Dantas se denomina para explicar o seu jeito teimoso.  O jornalista que decidiu trabalhar com cinema na terra onde acreditavam que cinema era “coisa de rico”, ainda acredita que é uma “coisa de rico”, uma arte muito cara, enfatiza, mas afirma que é uma realidade hoje produzir conteúdo com qualidade longe dos grandes orçamentos da indústria cinematográfica.
Criador da TV Garrancho, uma ONG que nos anos 90 realizava trabalhos sociais junto aos movimentos sociais organizados como o MST (Movimento dos trabalhadores sem terra), sindicatos, e passando a trabalhar estritamente com cultura. José Alberto Dantas, que hoje é conhecido por Buca Dantas, ingressou na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1997, no curso de jornalismo. Na área, chegou a produzir duas matérias que foram premiadas, uma ganhou uma premiação local e a outra venceu o II Prêmio Nacional Confea de Jornalismo (Realizado pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia). Sobre o feito Buca demonstra bom humor quando diz que não era sua área, “graça a Deus cada uma ganhou um premio”.
Atuando como diretor do programa Brasil Total, exibido no Fantástico pela rede Globo entre 2002 e 2004, revela que na época não se identificou com o sistema de produção comercial de TV.
Como um profissional sem amarras, não poupa palavras ao criticar a elite política que está à frente dos jornais locais, que segundo Buca só se preocupam em acumulação de capital, e isso acaba se refletindo na qualidade do jornalismo. O jornalista afirma que com a internet isso tem mudado e aberto novas possibilidades na produção de conteúdo jornalístico e audiovisual.
Como cineasta, Buca afirma que no início foi ridicularizado por se denominar como tal. Seu primeiro curta A feira, gravado em 1999 quando era estagiário da TV Universitária, com um orçamento de 15 reais, onde já continha algumas ferramentas que usa hoje, revela que são coisas simples, tomadas de cenas de um ponto de vista particular e específico, onde é preciso usar o equipamento não de forma aleatória, mas pensado.  Produziu A estrada em 2000 e A força em 2001. “Esses 3 filmes tem os elementos no que eu me transformei.” Quando viajava para o interior do Rio Grande do Norte em uma viagem de ônibus, foi apresentado à história do poeta e ex-escravo Fabião das Queimadas, viu que ali havia material para produzir um filme. Com Fabião das Queimadas, poeta da liberdade, ganhou a 1º versão do Doc TV da TV Cultura e o 1° Festival de Cinema e Sertão do Ceará.

                           
Buca Dantas ( Acervo Pessoal)

Seu interesse em números primos levou-o a trabalhar em uma teoria de audiovisual onde cada elemento é único, assim como os números primos. Sua parceria com o fotografo e artista francês Mathieu Duvignaud, resultou na criação de um novo movimento cinematográfico, o Cinema Processo, onde parte do pressuposto da observação, de utilizar os elementos que se encontram nos lugares, seja ele técnico ou humano, onde a equipe de cinema só tem o direito de transformar em linguagem de cinema, aquilo que a comunidade apontar que deve ser feito.
Viva o Cinema Brasileiro foi o primeiro filme baseado no movimento, foi gravado em três comunidades do interior do RN, não havia roteiro, apenas uma personagem central interpretada pela atriz potiguar Quitéria Kelly, a história era criada pelas pessoas onde a equipe chegava. Ainda inédito, o segundo filme processo A perdição, é uma livre-adaptação de uma peça chamada O fuxiqueiro, escrita por Lindenberg Bezerra, natural de Janduís, onde o filme foi rodado.
Para o futuro, o cineasta está finalizando o filme Malu e fechando um projeto de cinema e uma série de TV com o canal Futura.
Quando indagado se é possível viver de cinema no Brasil, Buca Dantas afirma que é possível e muito bem, no Rio Grande do Norte ainda se está estabelecendo, mas é preciso dar a “cara a tapa” para se definir exclusivamente fazedor de cinema.

             
Cena do filme Perdição ( Fotos: Allany Brito; http://janduis.online.zip.net)

         
Atriz Quitéria Kelly em Viva o Cinema Brasileiro ( http://quiteriakelly.blogspot.com)
Filmografia Buca Dantas
A feira (1999)
A estrada (2000),
A força (2001),
Viva o cinema brasileiro!  (2006)
 Perdição (2009), ( inédito). 

Mais um Anônimo na economia



Por Adriel Silva


Em 2010 o Brasil teve um PIB de R$ 3,675 trilhões de reais o que ajudou o País a se tornar uma das 7 maiores economias do mundo. Desse valor total o Rio Grande do Norte geralmente contribui com menos de 1%, como foi registrado, por exemplo, nos anos de 2008 e 2009. Dentro destes números são encontradas desde grandes empresas exportadoras até a pequenos negócios e trabalhadores autônomos. E é entre esses números e empresas que um anônimo vem ganhando espaço numa área que cresce cada vez mais espaço no cenário do comercio nacional, o comercio via internet também conhecida como e-commerce.
Dono de uma empresa que vende camisetas e acessórios via internet, Juliano de Moura Caetano é um dos anônimos que, se aproveitando da economia forte, resolveu desenvolver o seu próprio negócio, A RedBug camisetas. Segundo dados da pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor, realizada em 2010 e aqui no Brasil, divulgados pelo SEBRAE, 21,1 milhões de brasileiros realizaram alguma atividade empreendedora. Quando questionado sobre o que o levou a investir numa empresa que produziria camisetas com estampas bem humoradas para serem vendidas na internet, a sua resposta foi direta: Sempre gostei desse tipo de humor que fazemos na RB, mas não precisaria ser necessariamente em camisetas. As camisetas foram uma oportunidade”
Antes de criar a sua empresa ele trabalhava numa agência de propaganda. O que o levou a arriscar um caminho diferente provavelmente foi o mesmo motivo que elevou as estatísticas do empreendedorismo no Brasil, o bom momento vivido pela economia do país. Mas por outro lado, o bom momento da economia não significa uma certeza de sucesso e de que tudo se desenvolva de forma fácil, entre as maiores dificuldades, Juliano Caetano aponta os custos de investimento iniciais por serem altos e o relacionamento com as pessoas. O número de empresas que pedem falência nos primeiros 3 anos de vida é bastante alto. A RedBug camisetas, a empresa do entrevistado, talvez tenha sobrevivido a esse período graças, em parte, do auxilio de instituições como o SEBRAE e o apoio encontrado no Núcleo de Incubação tecnológica, localizado no IFRN. Com menos despesas e um maior apoio, financiamento e ausência de algumas despesas fica mais fácil reverter o dinheiro que seria destinado à parte dos gastos para outras áreas como produção e marketing. Mais do que no âmbito financeiro, o apoio se dá também na forma de orientações de como abrir uma empresa, saber trabalhar com os custos, entre outras orientações e oportunidades oferecidas às empresas, que servem para que o empresário seja capaz de fazer a sua empresa a “andar com suas próprias pernas”.
 Esse mesmo apoio, apontado por Juliano Caetano como uma grande ajuda, é também vista por ele como um recurso que poderia ser mais bem utilizado, já que em função da pouca divulgação em cima deste tipo de auxílio, muitas empresas são criadas e em seguidas tem de lutar no mercado por um espaço próprio no mercado, muitas vezes disputando lugar com empresas já consagradas, estáveis e com um publico fiel. Então, é nessa busca por espaço com outras empresas, entre outros fatores, que as empresas recém criadas muitas vezes não conseguem caminhar com suas próprias pernas e vai à falência, o que explica, em parte, o alto índice de empresas que não sobrevivem ao 3º ano de existência.


O empresário Juliano Caetano, um entre os 21,1 milhões de brasileiros que desenvolveram alguma atividade empreendedora no ano de 2010

Outra razão para que sua empresa tenha sobrevivido aos 3 primeiros anos de vida seja a área de negócios escolhida pela mesma. Se o produto que ele se propõe a vender fosse oferecido apenas em loja física, provavelmente a questão do público atingido seria bem pequeno, ainda mais em função do público alvo dos seus produtos, jovens nerds. Mas se por um lado o publico local seja relativamente pequeno, o comercio eletrônico permitiu ao empresário ter a disposição um meio de vender o seu produto de forma mais abrangente e até menos custosa em alguns aspectos. Para se ter uma ideia, o comercio eletrônico faturou em 2010 um total de R$ 14,8 bilhões, e é apostando nesse tipo de comercio que atinge 70% dos internautas brasileiros segundo a  companhia de pesquisas e analises de marketing na internet, comscore, que uma das estratégias da empresa que tem um público jovem é investir também em mídias sociais, onde há um maior contato com o público além de uma maior divulgação dos produtos.
Apesar da distância física existente entre a empresa e o consumidor final, o entrevistado destaca que os maiores compradores estão na região Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo, onde estão aproximadamente 40% dos clientes segundo o entrevistado.
Mas ao mesmo tempo, que a internet se tornou um aliado, ele aponta para a desvantagem de que, embora permita um contato maior com o cliente, não permite um contato maior do cliente com o produto que acaba comprando um produto apenas através de uma foto, sem poder tocá-lo ou vê-lo pessoalmente. Mas apesar das dificuldades, os números apresentados servem para apoiar um pouco o que se reflete na entrevista do Juliano Caetano, que a forma como o comércio vem sendo feita e a própria economia do país está mudando, fazendo surgir novas oportunidades e maneiras para quem deseja ser um empreendedor também.


       
Racionais mc²: Sigmund Freud, Albert Einstein, René Descartes em um jogo de palavras entre o grupo de rap homônimo. exemplo do humor presente nos produtos da empresa.

Anderson Foca, o homem que mudou o cenário musical do estado.


 Por Alessandra Albuquerque 


 Um homem baixinho, gordinho, barbudo, com uma leve calvície, sempre de bermuda e All Star. Facilmente identificado nas ruas da ribeira. Esse é Anderson Foca. 

Quando pensamos em produção de Rock em Natal, seu nome é logo lembrado. O músico e produtor Anderson Foca, é dono do Centro Cultural DoSol que desde 2004 mantém o bairro da Ribeira vivo nos fins de semana. Seu interesse por música veio desde muito cedo, quando Foca morava em Belém: “lá era perto da Zona Franca, os discos chegavam mais baratos e fui me interessando”. Aos 18 anos decidiu trabalhar com música. “Não tenho formação em música nem em Administração. Fiz universidade de Ciências Contábeis mas nem peguei meu diploma”, conta Foca.

 Foca já teve várias bandas e atualmente tem um projeto chamado Camarones Orquestra Guitarristica, que inicialmente era um projeto de estúdio e foi ganhando maturidade, conseguindo shows e hoje é uma banda que ganhou o prestígio do público potiguar, a banda já tocou em diversos festivais, não só no estado mas em outras cidades, como Rio de Janeiro.

Foca numa noite de muito Rock. (Foto: Arquivo Pessoal)

 O Centro Cultural foi criado para dar continuidade aos projetos que já existiam, como a produtora, o estúdio e o selo DoSol. Nesse complexo (produtora e estúdio) já foram feitos diversos discos de artistas potiguares, todos com o selo DoSol.  No palco do DoSol já passaram grandes bandas nacionais como Matanza, Rock Rockets, Dominatrix, Dead Fish, Confronto, bandas potiguares como Talma&Gadelha, Seu Zé, AK-47, I.T.E.P, Deadly Fate e bandas internacionais como The Expoited, The Donnas, Danko Jones e muitas outras.

O DoSol promove todo ano um dos maiores eventos de música do estado, o Festival DoSol, com grandes atrações e muitos dias de festa. Para Foca o sucesso do festival é resultado da confiança da cena musical do Rio Grande do Norte. “Sempre tivemos um grande comprometimento com a cena musical do RN e isso foi nos fazendo crescer aos poucos e de maneira sólida. Não sabemos o dia de amanhã, mas de fato crescemos muito e podemos crescer ainda mais.”

Apesar do atual sucesso o festival já teve suas dificuldades. As primeiras edições não contavam com nenhum tipo de patrocínio e algumas edições não geraram nenhum lucro. “Como não temos grandes artistas do mainstream nacional nossa bilheteria não representa nem 30% dos custos finais do festival. É bem difícil conseguir colocar uma mostra como o DoSol na rua, com preços de ingresso abaixo do mercado e oferecendo artistas novos e de conteúdo sem patrocínio, mas já fizemos loucuras antes e faremos de novo se necessário.” Mesmo com algumas dificuldades, Foca se diz realizado com o festival e diz que vale muito a pena “até porque o que ficou para trás agora é história. Olhar para frente que é o que importa!”

Muito além do grau de parentesco


Por Vinícius Vieira

Já se imaginou ficar preso com sua família na casa de Gilberto Freyre? Ou mesmo ter ouvido os belos versos do boêmio poeta pernambucano evocados pelo próprio Ascenso Ferreira? Se preferir a cultura popular, que tal conversar sobre o baião com o mestre Luis Gonzaga e seu parceiro de baião, Zé Dantas? Caso prefira o inédito, queria ter presenciado Ary Barroso dançar como uma baiana Aquarela do Brasil, o samba-exaltação que viria a se tornar o mais famoso dessa categoria? Parece impossível a muitos, mas não para Anna Maria Cascudo Barreto, 75, que presenciou todos esses momentos com figuras antológicas do cenário artístico brasileiro. É filha de Luís da Câmara Cascudo, historiador e antropólogo que mais se dedicou ao estudo da nossa cultura e cujo conjunto da obra está calculado em mais de dez mil volumes, aproximadamente. Por causa disso, o nome de seu pai, sem dúvida, é o mais lembrado no Rio Grande do Norte nessa categoria.
Herdou dele a propriedade para falar sobre a cultura popular.“Tudo é cultura popular. O papel dela na formação da nossa sociedade é múltiplo e pode ser encontrado no cotidiano. O fato de eu ter-lhe oferecido um cafezinho ou água antes de iniciar a entrevista é estudado pelo folclore e pela cultura popular”, teoriza. Herdou, também, a paixão ao falar sobre Natal, sua história e dois elementos até hoje importantes para os natalenses: o Forte dos Reis Magos e o Rio Potengi. A fala de Anna Maria é tão carregada de emoção e detalhes que nos sentimos transportados para o momento da fundação da cidade, no final do século XVI “Sou apaixonada e fascinada pela história de Natal. Uma vez, meu pai, em 1947, me pediu para olhar o rio com os olhos dos primitivos habitantes. Pediu-me, também, para ver o desvendar dos portugueses e como eles ficaram assombrados com a beleza da cidade e, assim, construíram o Forte num local estratégico”, diz.   
Mas o fato de ser filha de Câmara Cascudo não facilitou tudo. Seu pai fazia questão de que a filha seguisse caminho com suas próprias pernas. “Tive a alegria de ser aluna de Luís da Câmara Cascudo, mas, ao mesmo tempo, ele não escrevia nada para mim. Queria que eu fizesse as coisas com as minhas próprias asinhas. No começo, achei péssimo, mas hoje agradeço a Deus pela atitude dele”, relembra.
Foi com esforço que conquistou cadeiras na Academia Norte-riograndense de Letras, na Academia Brasileira de História, Arte e Cultura e na Academia de Letras Jurídicas, além de ser sócia de outras Instituições que também têm a finalidade de cultivar a língua portuguesa. “Cada prêmio ou conquista foi um momento de muita emoção, cada um foi um instante de ternura e foi um momento de muita gratificação”. Mas Anna Maria lembra carinhosamente a posse na Academia Paulista de Letras, quando foi ouvida por Lygia Fagundes Telles, Ruth Rocha, pelo crítico de literatura Fábio Lucas e o poeta Paulo Bonfim.


Anna Maria fala sobre suas experiências à revista 84  (Foto: Vinícius Vieira/Revista84)

Pioneirismo no jornalismo e no Judiciário

Curiosidade aguçada e o estímulo familiar foram, sem dúvida, os motivos pelos quais Anna Maria adquiriu paixão pela leitura, que a acompanha até hoje. Essa paixão cultivada desde cedo foi responsável pelo ingresso dela na área do jornalismo aos 13 anos, fato pioneiro. Na época, ela foi convidada para revisar matérias do tradicional jornal “A República”, ganhando, algum tempo depois, uma coluna sobre música, arte e moda.
Já no período da ditadura militar, foi convidada pelo reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte à época, Genário Fonseca, para apresentar um programa na recém-inaugurada TV Universitária: o Semanários. Voltado à arte e à cultura, o programa foi logo destinado a entrevistas com pessoas que se destacavam no contexto da cultura popular. Teve de enfrentar alguns preconceitos por causa disso. “Uma vez, o diretor da TV Universitária havia considerado que eu tinha levado muita ‘gentinha’ para a TV, mas na realidade eram dançarinos de bambelô. Antes de nós irmos ao ar, o diretor apagou as luzes e ainda me disse que eu tinha amizades muito estranhas. Eu respondi que eram artistas que, infelizmente, não eram famosos”. Mas a carreira na TV também foi marcada por recordes. Segundo Anna Maria, numa tarde em que mostrava um escultor de Ceará-Mirim confeccionando uma peça, seu Semanários teve mais telespectadores potiguares do que o programa apresentado pelo avassalador de audiência Abelardo Barbosa, o Chacrinha.   
No Judiciário, após se formar em direito, foi a primeira mulher a atuar no Júri de Natal, como promotora adjunta. Quando assumiu definitivamente a Promotoria de Natal, Anna Maria relata que não observou atitudes preconceituosas. “Era muito carinhosa com os Juízes. Papai intercedeu por mim e todos foram muito cordiais, tanto é que me sentia como filha dos maiores juízes do Estado: Oscar Siqueira, Rosemiro Robson e Paulo Luz. Aprendi muito com eles”, lembra. Analisando toda a sua carreira, ela afirma que seu pioneirismo aconteceu normalmente, sem perceber de que se tratava de algo especial.

Relação com as Forças Armadas

Muitos dos prêmios, medalhas e homenagens recebidas durante seus 75 anos de vida advém das Forças Armadas. Anna Maria é neta do Coronel Francisco Justino de Oliveira Cascudo, da Guarda Nacional, atual Polícia Militar do Rio Grande do Norte. É na sua descendência que justifica sua paixão pelas Forças Armadas e comenta, em alguns de seus livros, que há uma relação mágica bilateral entre os militares e a Cidade do Natal.
A admiração pelo trabalho das Forças Armadas levou Anna Maria a se integrar ao Conselho da Fundação Rampa, a qual se dedica arduamente no resgate da participação de Natal na história da aviação mundial. “O Rio Grande do Norte tem uma história aeronáutica profunda e rica”, enfatiza, ao lembrar do vôo de mais de 49 horas, sem escalas, realizado por Carlo Del Prete e Arturo Ferrarim entre a cidade de Roma e o Brasil. O feito rendeu um presente de Mussolini aos potiguares, a Coluna Capitolina. Para Anna Maria, estudar e escrever sobre tal acontecimento rendeu uma medalha da Aeronáutica, devido ao ensaio de abertura do livro “Cavaleiros do Céu”.

 Trabalho no Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo

Anna Maria é a presidente do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, pessoa jurídica sem fins lucrativos, cuja sede foi, durante quase 40 anos, a residência oficial de Luís da Câmara Cascudo e onde o historiador produziu grande parte de sua obra relevante. Embora seja um local que salvaguarda importantes estudos sobre a cultura brasileira, todo o Instituto foi bancado com recursos próprios, através de venda de imóveis. O poder público não a procurou assim que o Instituto foi inaugurado, em 2007, mas atualmente ela foi agraciada com visitas da ministra da Cultura, Anna de Holanda, além das chefes do Executivo estadual e municipal. Anna Maria espera que as visitas sensibilizem os governantes a contribuir com o trabalho do Instituto. “Estamos fazendo um trabalho de digitalização das correspondências de Câmara Cascudo com Mário de Andrade, Assis Chateaubriand e Monteiro Lobato. Todas essas cartas digitalizadas serão um legado a nossos pesquisadores”, afirma. 
Para mantê-lo, existe uma loja no local, que disponibiliza obras da autoria de Luís da Câmara Cascudo e estudos feitos sobre ele por outros pesquisadores. O visitante também pode adquirir peculiaridades, como poesias musicadas e contos de cascudo em folhetos de cordel. Para entrar na casa com uma visita guiada, é cobrada uma taxa de R$ 3,00. 
Além de preservar e divulgar o patrimônio de seu pai, Anna Maria diz que o que a realmente motiva é a paixão pela cultura popular que adquiriu dele. Nesse sentido, ela convida todos a reconhecer o trabalho de Luis da Câmara Cascudo, pois “eu não sou somente a filha dele. Ele amou, estudou, valorizou os potiguares. Portanto, todos eles são filhos de Luís da Câmara Cascudo”.

O imponente Instituto Câmara Cascudo localiza-se na avenida homônima, na Cidade Alta
(Foto: Acervo do jornal Tribuna do Norte)


SERVIÇO: Instituto Câmara Cascudo

Endereço: Avenida Câmara Cascudo, 377, Cidade Alta – Natal/RN
Telefone: (84) 3222-3293 e (84) 3221-0131
Home Page para demais informações: http://www.cascudo.org.br


“Fico com raiva de cegos que se fazem de coitados”


Por Andressa Carvalho Vieira

Sidney Trindade, cego desde nascença, tem formação tecnológica, é músico, pesquisador, fala três idiomas e trabalha desde os 24 anos

            Demorei a perceber que Sidney Trindade era completamente cego quando em ocasião de nosso primeiro contato. Eu, uma voluntária iniciante em um projeto de ledores para cegos. Ele, um dos beneficiados e também colaborador veterano do grupo. As crônicas que narrava sobre episódios da sua condição de deficiente visual contrastavam com sua segurança, senso de direção, facilidade de deslocamento e bom humor. Ao menos a meu ver, até então, ignorante sobre o tema.
            “Um dia um homem me ofereceu ajuda no IFRN. E eu nunca nego ajuda. Mas o rapaz segurou meu braço e foi me puxando, então eu disse: ‘Amigo, vamos fazer assim, eu seguro no seu ombro, vou sentindo seus passos e você vai me guiando, certo?’ Assim fomos andando, subindo alto, descendo alto, calçada, rampa, virando para um lado e outro. Quando chegamos ao destino, o homem falou para mim, em tom de surpresa: ‘Mas você é bem adestradinho, né?’ Dentro da ignorância dele, ele estava me fazendo um elogio, então eu ri e consenti. ‘Sim, amigo, eu sou sim adestrado!”, contava um Sidney descontraído, que consegue fazer piada mesmo das situações que pareciam adversas.
            “E o engraçado é quando acham que cego é surdo”, continuava. “Certo dia, fui comprar alguma coisa em uma loja e o atendente, quando percebeu que eu era cego, falou comigo quase gritando. Eu respondi mais alto ainda: ‘Fale um pouco mais alto, não estou entendendo não!” Sidney não era o tipo arrogante. Mas também passava longe do título de paciente. É um “tirador de onda”, como se define, e não perde o fio da piada, que, em merecidas vezes, pode aproximar-se ao sarcasmo.
            Desde criança, brincou e driblou as situações adversas e intimidadoras. A primeira delas aconteceu no dia de seu nascimento. A mãe tinha apenas oito meses de gestação quando enfrentou um complicado trabalho de parto. A falta de oxigenação fez com que Sidney nascesse “roxo” e deixou como sequela a atrofia do seu nervo óptico, tornando-o cego.  Apenas 45 dias mais tarde a mãe percebeu que havia algo de errado com a visão do filho recém-nascido. Após o desespero inicial, levou-o ao médico, que constatou que Sidney, de fato, era cego. A mãe foi recomendada a criar Sidney da mesma forma que criava seus dois irmãos mais velhos, já que ele era praticamente uma pessoa normal. Ela levou ao pé da letra. Sidney cresceu jogando bola, andando de skate, patins, bicicleta e pegando onda em Ponta Negra. Aos 4 anos, Sidney ganhou uma bicicleta e andava tranquilamente pela Av. Capitão Mor Gouveia, que, na época, ainda não havia sido duplicada. Situava-se por sons e movimentos, além de já conhecer bem a região, onde sua vó morava. Quando precisava ir a lugares mais distantes, permitia que a irmã fosse à frente e, pelo barulho da bicicleta dela, ele reconhecia obstáculos e curvas. Nunca esbarrou em nada.


Em sua rotina de trabalho, que inclui, aulas de espanhol, tocar em orquestra e golbol, além de ser o namorado a Isabel.

            A mãe, Dona Miriam, era professora. Quando Sidney tinha por volta dos seis anos, ela identificou a necessidade de alfabetizá-lo.  Abriu mão da vida profissional e começou a desenvolver os mais variados métodos para isso: colava linhas em papel para que ele sentisse o formato das letras, comprava letras de plástico, matrizes de letras, sempre procurando novos materiais. Na época, Sidney ainda enxergava pouco, entre 3 e 5% (hoje ele só consegue enxergar a luz). A mãe colocava-o em um quarto escuro e com um pincel atômico preto e uma cartolina branca ela o fazia enxergar os formatos das letras. Assim ele obteve conhecimento e acostumou-se com os símbolos do alfabeto latino. Na época, ainda não conhecia o braile, alfabeto especial e adaptado para cegos.
            Após alfabetizá-lo, Miriam decidiu que deveria tentar matriculá-lo em uma escola normal. Sidney foi aceito no Instituto de Alfabetização e Arte (hoje, CEI), mas o despreparo da equipe da instituição para recebê-lo fez com que não ficasse muito tempo ali. “Os professores não deixavam eu fazer o que eu fazia em casa”, conta. “Que era o quê?”, pergunto. “Tudo!”, ele responde como se fosse óbvio. “Eu ia para a aula e pediam para que eu sentasse numa cadeira. Quando eu levantava, corriam dois, três, perguntando o que eu queria. Eu não brincava com as outras crianças. E criança gosta é de brincar, não é?” Quando a mãe perguntou se ele estava gostando do colégio, Sidney foi sincero. Não gostava pois não conseguia sentir-se normal em meio a todo aquele cuidado excessivo. Pela experiência que teve, hoje ele defende que sejam mantidas as escolas específicas para deficientes visuais.
            Sidney continuou sendo educado pela mãe, em casa, até que, em abril de 1984, quando tinha 10 anos, surgiu a ideia de levá-lo para o Instituto dos Cegos. Como a mãe já o havia alfabetizado, Sidney encontrou um único empasse para nivelar-se com os alunos de primeiro ano: não sabia o braile. Mas isso não o impediu de acompanhar a turma. Paralelo ao conteúdo programado para o primeiro ano, a professora da escola começou a ensinar-lhe o braile em várias lições. Acostumado com os métodos de ensino da mãe, Sidney levou o alfabeto para casa e não precisou de mais de três dias para aprendê-lo por completo, inclusive os números e demais caracteres. Permaneceu no Instituto dos Cegos por 4 anos, até o final do Ensino Fundamental I.
Sidney passou um ano sem estudar e, aos 16 anos, entrou no supletivo a fim de concluir o Ensino Fundamental II. Não teve paciência para todas as provas do supletivo e preferiu fazer os “provões”: uma prova de cada disciplina e se passasse estaria aprovado no nível básico. Toda tarde, a mãe sentava e lia um pouco do conteúdo para ele e, em um ano, após prestar e passar em todas as provas, concluiu o 1º grau. Paralelo a isso, Sidney tinha aulas de música do conservatório Frederico Chopin, onde estudava teclado popular.
 Após passar mais dois anos sem estudar, resolveu fazer o Ensino Médio no Colégio Estadual Padre Miguelino. Quando concluiu o nível médio, devido à escassez de material e mão de obra qualificada na época, Sidney não quis mais estudar. Já músico profissional, começou a tocar durante a noite e fazer cursos a fim de qualificar-se. “Como estava sem estudar, se me dissessem que havia um curso de enrolar cordão em prego, eu fazia”, conta.  Alguns dos cursos deram a Sidney habilidade em informática e isso fez com que ele fosse convidado, em 2001, a dar aulas na Associação dos Deficientes Visuais.
“Fiquei lá na Associação até 2003, saí porque todos os deficientes já tinham passado pelas minhas mãos e o povo estava demorando a cegar. Daí não tinha mais aluno”, brinca. Logo em seguida, Sidney recebeu o convite de acompanhar um músico de Natal, também cego, o cantor e compositor José Barros. Aproveitou para fazer também um curso de idiomas de Inglês no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). No começo de 2006, resolveu prestar vestibular na Universidade Federal do Rio Grande do Norte para bacharelado em piano, já que, agora, havia mais facilidades na busca por informações para pessoas cegas. Conseguiu uma bolsa no curso extensivo para vestibular do Colégio e Curso CDF e dedicou-se a estudar. Incentivado pela professora do curso de Inglês, resolveu também prestar vestibular para o curso de Tecnologia em Desenvolvimento e Análise de Sistemas, na época, Tecnologia em Desenvolvimento e Software, no IFRN.
Quando passou no vestibular do IFRN, desistiu de tentar bacharelado em Música. Foi convocado para uma reunião no IFRN, em que professores e funcionários de cargos importantes no curso tentaram convencê-lo de que aquele não seria o melhor curso para um deficiente visual, por ser muito difícil. Sugeriram a Sidney escolher outro curso dentro de qualquer departamento para que fosse transferido. Ele escolheu permanecer no curso, mesmo com as dificuldades que eram apresentadas. Contou com vários professores aliados no decorrer do curso, que “compraram a ideia” de ter um aluno deficiente visual e, a cada nota boa, Sidney provava conseguir cumprir a responsabilidade que havia assumido. “Quando fechei uma prova de Eletrônica Digital, no dia seguinte, até o porteiro da escola me deu parabéns. Mas também aconteceu de ser reprovado em uma disciplina por dois décimos na média. Ninguém passava a mão na minha cabeça porque eu sou cego”.
Sidney escolheu para Trabalho de Conclusão de Curso desenvolver algo que pudesse ajudar a pessoas que são iguais a ele com dificuldades que ele também enfrenta. Daí surgiu o e-guia, aplicativo para celular que ele aperfeiçoa até hoje. Trata-se de um sistema digital de identificar ônibus. A função é avisar, através de um aplicativo no celular, quanto tempo falta para que determinado ônibus chegue a uma parada específica. O projeto auxiliaria não só pessoas cegas como todos aqueles que dependem do sistema de transporte coletivo. O primeiro protótipo do e-guia foi apresentado no Fórum Mundial de Educação Tecnológica no final de 2009, em Brasília.
Após o término da graduação, Sidney entrou no Mestrado de Engenharia de Computação na UFRN como aluno especial e começou a inscrever-se em concursos. Logo passou no concurso do Ministério Público da União, e desistiu do Mestrado, por receio de ser chamado para assumir o cargo e não conseguir concluir o curso. Enquanto o chamado não vinha, foi contratado pela Superintendência de Informática da UFRN para tornar o sistema SIGAA acessível para deficientes visuais. Hoje em dia trabalha para a Funpec no Laboratório de Acessibilidade da UFRN, cuidando da parte tecnológica que necessita de mão-de-obra específica, como a impressora braile.
Embora nunca tenha tido problemas com empregos, Sidney afirma que o mercado de trabalho para deficientes visuais, em geral, é muito difícil. “Se você não fizer um concurso, não tem chance. A imagem que a sociedade tem de um deficiente visual é aquele coitadinho que fica em frente às Americanas pedindo esmola. E alguns querem mesmo ser coitados. Tenho raiva desse tipo. Cego não é coitado.”, explica.


"O cuidado excessivo faz com que eu não me sinta normal".

Aos 35 anos, além do trabalho e das pesquisas para o e-guia, Sidney faz curso de Espanhol no IFRN, toca na orquestra de violão da UFRN, joga golbol (espécie de futebol para deficientes visuais) e ainda tem uma namorada há 12 anos, Isabel. “Vocês homens são todos iguais mesmo. Sempre enrolando as mulheres. Já está na hora de casar, não?”, pergunto, em tom de brincadeira, ao fim da entrevista. “É tudo um ciclo”, ele responde. “Depois do casamento, vem o divórcio. E eu ainda quero ficar com ela algum tempo, então não caso”. Quase me convenceu.
Ofereci a Sidney uma carona para casa. Eu havia ganhado um carro há dois dias e ainda fazia confusão com os caminhos. Ele foi me guiando pela UFRN até a sua casa, que não ficava tão longe, no bairro chamado Potilândia. Avisava exatamente onde dobrar e sabia mais detalhes sobre o caminho que eu fazia quase todos os dias que eu mesma. Durante o percurso, me perdi. Sidney, pacientemente, explicou-me como voltar para o caminho certo. Com dois olhos funcionando razoavelmente bem e duas lentes que completavam a potência deles, senti-me mais deficiente que Sidney, “cego” desde sempre.