sábado, 17 de dezembro de 2011

A hora que a notícia vira arte: perfil do trabalho de um chargista




Por João Victor Pereira Leal


 Um homem de fios grisalhos de voz mansa, porém firme,  são essas as primeiras impressãoes que tenho do chargista Ivan Cabral, quando chego a sala da Televisão Universitária (TVU) onde  trabalha como animador.  Apesar de trabalhar na mesma universidade onde estudo nunca tive a oportunidade de me aproximar tanto de Ivan para matar minha curiosidade sobre o trabalho, do qual sou um daqueles entusiastas anônimos. Suas charges são publicadas diariamente na primeira página do Novo Jornal, o único períodico do estado que faz isso. Ao  dar significado para os traços que Ivan desenha vemos a forte presença de um humor simples, mas não simplório. As piadas de suas charges são de fácil entendimento, mas nem por isso deixam de ter forte crítica social e política.

   Quando começamos  a conversar, Ivan lembrou que amor pelo desenho começou quando criança, e foi do jeito criança de aprender a gostar de desenhos: fazendo rabiscos em todos os cantos possíveis, nem as paredes da casa escapavam. 

Perto dos 20 anos ele começou a buscar maiores referências para seu trabalho, com o contato com um grupo de artistas amadaores da cidade, que na época editava um fanzine. Aprendeu novas técnicas e passou a fazer quadrinhos. Mas a  oportunidade para fazer charges só veio mesmo em 1983, com a saida para licença médica de um chargista do Diário de Natal, ali era  primeira vitrine para o seu trabalho. Foi assim, tirando as férias  dos colegas que também passou pela Tribuna do Norte, em 1987. No ano seguinte, 1988, o Diário de Natal precisava de um novo chargista, Ivan, já conhecido na redação, ficou com o emprego, sua primeira grande oportunidade profissional.

   Nesse meio tempo ele já era servidor da UFRN, mas até 1996 seu trabalho com charges e animações ficou restrito aos jornais em que trabalhou. Contudo ao ser transferido para a TVU, a seu trabalho foi elevado a outro nível, agora seus desenhos ganharam movimento.Ivan passou a desenvolver animações usando recursos de computação gráfica, algo novo, mas que não intimidou  o chargista, que logo dominou a técnica. Agora tinha o lápis e o papel na mão, a ideia na cabeça e um computador pela frente como suas ferramentas de trabalho. Atualmente podemos ver esse trabalho de animação nos intervalos da programação da TVU.

   Com a entrada da computação gráfica  passou a explorar os benefícios que a tecnologia poderia dar as suas charges,  fazendo pintura digital e desenhos direto no computador. Porém, as cores de seu trabalho ficavam restritas a internet, pois por conta do projeto gráfico do jornal em que trabalhava, os desenhos eram sempre publicadas em preto e barnco. A cor mesmo só veio com sua mudança para o Novo Jornal, em um projeto audacioso para o jornalismo potiguar, a charge agora era publicada em cores e na primeira página do jornal.

Na linha de produção, onde as notícias viram desenhos, Ivan relata ter bastante liberdade criativa, mas lembra que  a charge compõe o corpo editorial da publicação, assim  algumas vezes são sugestionados temas para serem tratados nos desenhos, segundo ele isso depende muito do que vai ser manchete no dia seguinte. “Chargista não é especialista”  diz, afirma que muitas vezes produziu seu trabalho ao lado do repórter, que vivenciou o fato e  traz uma visão mais especializada e realista dos acontecimentos.

   Rápido na execução, diz que leva de 20 minutos à  meia hora para produzir um bom desenho, “o mais difícil mesmo é ter a ideia”. Não deve ser mesmo fácil fazer algo inteligente, engraçado e que gere reflexão todos os dias, 365 dias por ano. Outro fator que chama  atenção  no trabalho de Ivan é  a forte presença da crítica política. Algo notável em uma mídia local dominada por oligarquias sem muito senso de humor. 

  Ivan diz que não pisa em ovos na hora de produzir seus desenhos,  pois não usa do espaço que tem para ataques pessoais e sim para dar visibilidade e reflexionar sobre problemas da má administração pública. Não nega que já ouve vezes que seu trabalho foi vetado, a explicação para isso era o respeito a linha editorial, sempre ela. Na nossa conversa o chargista faz questão de deixar claro que nunca recebeu influências para ser o que classificou de “pistoleiro do humor”, alguém que recebe “encomendas”  usando a charge como ferramenta política para favorecer interesses de terceiros.
  
     Polêmicas estão inerentes ao humor. Para quem trabalha com um humor altamente crítico então nem se fala. Ivan cabral não ficou imune as polêmicas. Em determinada época a administração  do Aeroporto Augusto Severo usou frangos para afastar urubus da região da pista e evitar possíveis acidentes. A manchete do dia seguinte era “Urubus são alimentados com frangos”e  na charge publicada sobre o assunto Ivan tentou mostrar a dureza da exclusão social. No seu desenho uma fila de urubus esperava para receber os frangos e no meio da fila um menino negro, pobre e de pés descalços também esperava sua vez. Foi o bastante para acusarem o chargista de racismo, com críticas ferozes que diziam que o desenho era uma cristalização do preconceito. Ivan ressalta que foi mal-interpretado e que a intenção do desenho era justamente denunciar a exclusão social e não o contrário.

    Com a internet o trabalho de Ivan rompeu as fronteiras do estado e alcançou novos públicos,o seu blog ( http://www.ivancabral.com/ ) está servindo também de vitrine para o seu trabalho, assim já recebeu pedidos  de charges para livros didáticos e já teve trabalhos publicados em jornais de fora do país . Assim, depois de quase uma hora de conversa, me dispeço de Ivan, mas não por muito tempo. Logo encontro ele de novo, agora na forma de tinta e desenho, na charge publicada diariamente na primeira página do jornal. Boas risadas sempre marcam esses encontros.
Chargista Ivan Cabral (Foto: Acervo Pessoal)

As charges políticas são marcas do trabalho de Ivan (Foto: Acervo Pessoal)

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