Por João Victor Pereira Leal
Um homem de fios grisalhos de voz mansa, porém
firme, são essas as primeiras
impressãoes que tenho do chargista Ivan Cabral, quando chego a sala da Televisão
Universitária (TVU) onde trabalha como
animador. Apesar de trabalhar na mesma
universidade onde estudo nunca tive a oportunidade de me aproximar tanto de
Ivan para matar minha curiosidade sobre o trabalho, do qual sou um daqueles
entusiastas anônimos. Suas charges são publicadas diariamente na primeira
página do Novo Jornal, o único períodico do estado que faz isso. Ao dar significado para os traços que Ivan
desenha vemos a forte presença de um humor simples, mas não simplório. As
piadas de suas charges são de fácil entendimento, mas nem por isso deixam de
ter forte crítica social e política.
Quando começamos a conversar,
Ivan lembrou que amor pelo desenho começou quando criança, e foi do jeito
criança de aprender a gostar de desenhos: fazendo rabiscos em todos os cantos
possíveis, nem as paredes da casa escapavam.
Perto dos 20 anos ele começou a
buscar maiores referências para seu trabalho, com o contato com um grupo de
artistas amadaores da cidade, que na época editava um fanzine. Aprendeu novas
técnicas e passou a fazer quadrinhos. Mas a
oportunidade para fazer charges só veio mesmo em 1983, com a saida para
licença médica de um chargista do Diário de Natal, ali era primeira vitrine para o seu trabalho. Foi
assim, tirando as férias dos colegas que
também passou pela Tribuna do Norte, em 1987. No ano seguinte, 1988, o Diário
de Natal precisava de um novo chargista, Ivan, já conhecido na redação, ficou
com o emprego, sua primeira grande oportunidade profissional.
Nesse meio tempo ele já era servidor da UFRN, mas até 1996 seu trabalho
com charges e animações ficou restrito aos jornais em que trabalhou. Contudo ao
ser transferido para a TVU, a seu trabalho foi elevado a outro nível, agora
seus desenhos ganharam movimento.Ivan passou a desenvolver animações usando
recursos de computação gráfica, algo novo, mas que não intimidou o chargista, que logo dominou a técnica.
Agora tinha o lápis e o papel na mão, a ideia na cabeça e um computador pela
frente como suas ferramentas de trabalho. Atualmente podemos ver esse trabalho
de animação nos intervalos da programação da TVU.
Com a entrada da computação gráfica
passou a explorar os benefícios que a tecnologia poderia dar as suas
charges, fazendo pintura digital e
desenhos direto no computador. Porém, as cores de seu trabalho ficavam
restritas a internet, pois por conta do projeto gráfico do jornal em que
trabalhava, os desenhos eram sempre publicadas em preto e barnco. A cor mesmo
só veio com sua mudança para o Novo Jornal, em um projeto audacioso para o
jornalismo potiguar, a charge agora era publicada em cores e na primeira página
do jornal.
Na linha de produção, onde as
notícias viram desenhos, Ivan relata ter bastante liberdade criativa, mas
lembra que a charge compõe o corpo
editorial da publicação, assim algumas
vezes são sugestionados temas para serem tratados nos desenhos, segundo ele
isso depende muito do que vai ser manchete no dia seguinte. “Chargista não é
especialista” diz, afirma que muitas
vezes produziu seu trabalho ao lado do repórter, que vivenciou o fato e traz uma visão mais especializada e realista
dos acontecimentos.
Rápido na execução, diz que leva de 20 minutos à meia hora para produzir um bom desenho, “o
mais difícil mesmo é ter a ideia”. Não deve ser mesmo fácil fazer algo
inteligente, engraçado e que gere reflexão todos os dias, 365 dias por ano.
Outro fator que chama atenção no trabalho de Ivan é a forte presença da crítica política. Algo
notável em uma mídia local dominada por oligarquias sem muito senso de
humor.
Ivan diz que não pisa em ovos na hora de produzir seus desenhos, pois não usa do espaço que tem para ataques
pessoais e sim para dar visibilidade e reflexionar sobre problemas da má
administração pública. Não nega que já ouve vezes que seu trabalho foi vetado,
a explicação para isso era o respeito a linha editorial, sempre ela. Na nossa
conversa o chargista faz questão de deixar claro que nunca recebeu influências
para ser o que classificou de “pistoleiro do humor”, alguém que recebe “encomendas” usando a charge como ferramenta política para
favorecer interesses de terceiros.
Polêmicas estão inerentes ao humor. Para
quem trabalha com um humor altamente crítico então nem se fala. Ivan cabral não
ficou imune as polêmicas. Em determinada época a administração do Aeroporto Augusto Severo usou frangos para
afastar urubus da região da pista e evitar possíveis acidentes. A manchete do
dia seguinte era “Urubus são alimentados com frangos”e na charge publicada sobre o assunto Ivan
tentou mostrar a dureza da exclusão social. No seu desenho uma fila de urubus
esperava para receber os frangos e no meio da fila um menino negro, pobre e de
pés descalços também esperava sua vez. Foi o bastante para acusarem o chargista
de racismo, com críticas ferozes que diziam que o desenho era uma cristalização
do preconceito. Ivan ressalta que foi mal-interpretado e que a intenção do
desenho era justamente denunciar a exclusão social e não o contrário.
Com a internet o trabalho de Ivan rompeu as
fronteiras do estado e alcançou novos públicos,o seu blog ( http://www.ivancabral.com/ ) está
servindo também de vitrine para o seu trabalho, assim já recebeu pedidos de charges para livros didáticos e já teve
trabalhos publicados em jornais de fora do país . Assim, depois de quase uma
hora de conversa, me dispeço de Ivan, mas não por muito tempo. Logo encontro
ele de novo, agora na forma de tinta e desenho, na charge publicada diariamente
na primeira página do jornal. Boas risadas sempre marcam esses encontros.
As charges políticas são marcas do trabalho de Ivan (Foto: Acervo Pessoal)